"A habitação deve ser tratada como uma prioridade nacional e não está a ser", nota a socióloga Sandra Marques Pereira, investigadora do DINÂMIA'CET-Iscte, um centro de estudos socioeconómicos e territoriais.
"Não quer dizer que não haja um esforço, mas a política de habitação ainda não tem a centralidade que deveria ter, dada a gravidade da situação", considera, notando que o facto de ter deixado de ter um Ministério autónomo é "um indicador importante de enfraquecimento, que começou com o anterior Governo e se repete desta vez".
Perante isto, a especialista não acredita que "a situação vá melhorar" e prevê que a construção de habitações degradadas continue.
"É urgente criar um plano nacional de emergência para a habitação", defende Isabel Santana, que se reformou há sete meses, depois de 40 anos na Câmara Municipal de Lisboa, metade dos quais como chefe da Divisão de Gestão da Habitação Municipal.
"Esta proliferação crescente de barracas e construções precárias não vai parar. Se não agirmos de outra forma, vamos ter a habitação 'ilegal' que tivemos nos anos 80 e 90", prevê, defendendo a "construção em grande escala" e a "coordenação entre a administração central e o poder local".
Coautora da Estratégia Local de Habitação de Lisboa, Isabel Santana acredita que "as autarquias têm o seu papel", mas as medidas que adoptam "acabam por ser soluções rápidas, porque o volume e a dimensão das necessidades são muito grandes".
Licenciada em serviço social, acompanhou o funcionamento do Programa Especial de Realojamento (PER), que em 1993 retirou moradores de bairros degradados nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Nota que, nessa altura, havia uma "consciência política da precariedade habitacional", muito ligada ao combate à pobreza.
"Atualmente, a precariedade é muito mais generalizada", compara.
"Não estamos a falar apenas de pessoas carenciadas e com baixos rendimentos. Entre os que estão a ser despejados neste momento, não estão apenas famílias que vivem em barracas e edifícios precários; estamos a falar de idosos, que sofrem de bullying imobiliário por causa do alojamento local. Estamos a falar de jovens licenciados, com mestrado e doutoramento, que não têm acesso a habitação em Lisboa sem o apoio dos pais", explica.
"Tem de haver um programa permanente", defende Sandra Marques Pereira, que trabalhou em políticas públicas de habitação.
Repetição de erros
Isabel Santana salienta que "não podemos repetir alguns dos erros que ocorreram no PER", nomeadamente "aquela construção massiva, a má qualidade da construção, a falta de participação pública nos processos, sobretudo no caso dos realojamentos".
Para o técnico, "algumas zonas da cidade foram melhoradas, mas houve situações de grande segregação socio-espacial".
Isabel Santana não tem dúvidas sobre situações como as recentes demolições no bairro do Talude Militar, em Loures: "Onde é que estão estas pessoas? As pessoas estão a viver ao ar livre, estão a fazer fogueiras, e isto é inaceitável, estas condições são indignas".
Por sua vez, Sandra Marques Pereira lembra que "as barracas sempre foram o aspeto mais visível da precariedade habitacional", mas há muitos outros sinais de crise, como "a sobrelotação e as camas alugadas a preços exorbitantes", perante os quais "o Governo se mantém completamente silencioso".