Embora mais de 90% dos entrevistados reconheçam a obesidade como uma doença crônica que precisa de tratamento, menos da metade (47,5%) sabe que o critério de classificação é ter um Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou superior a 30.
Em declarações à Lusa, a investigadora Ana Rita Pedro disse que os dados sobre a falta de reconhecimento da doença foram o que mais surpreendeu os investigadores.
“Podemos estar falando sobre a falta de conhecimento sobre o que é obesidade e, portanto, a pessoa não sabe se a tem. Também pode ser uma questão relacionada ao estigma [da pessoa não se rotular como obesa] (...), uma espécie de negação da condição de saúde ou pode ser uma questão de alfabetização”, explicou o pesquisador.
A 9ª edição do estudo Health that Counts, que será divulgada hoje, teve como objetivo avaliar o conhecimento e as atitudes em relação à obesidade na população adulta portuguesa, bem como o nível de literacia em saúde, analisando também a influência de fatores demográficos e socioeconómicos.
No total, 3.333 respostas recebidas entre novembro de 2024 e fevereiro deste ano foram validadas.
Embora 35,5% da amostra total atendesse aos critérios de obesidade, apenas 20,4% relataram ter a doença, revelando “uma lacuna de percepção”.
Os dados também mostram que quando as pessoas são confrontadas com questões relacionadas à sua esfera social, como a probabilidade de contratar uma pessoa com obesidade ou a probabilidade de ter um amigo com obesidade, elas relatam probabilidades muito altas.
No entanto, quando confrontados com questões mais relacionadas à sua esfera pessoal ou vida íntima — por exemplo, a probabilidade de ter um encontro romântico com uma pessoa com obesidade ou confiar o cuidado de seus filhos a uma pessoa com obesidade — os valores caem substancialmente.
Discriminação
Pessoas com obesidade percebem um maior nível de discriminação contra quem tem a doença e, em relação à imagem corporal, os dados alertam sobre discriminação de gênero.
“Tradicionalmente, nos sentimos mais confortáveis com o excesso de peso associado ao sexo masculino. Nas mulheres, tendemos a olhar com um olhar mais crítico, e isso também foi observado nesses resultados”, explicou Ana Rita Pedro.
O especialista também destaca o papel das mídias sociais nessa edição: “Somos confrontados diariamente com a exposição do corpo feminino a esses 'ideais' do padrão corporal feminino, e acabamos tendo uma visão muito mais crítica do que teríamos de um corpo masculino”.
Em relação à alfabetização em saúde, ela lembrou que o conceito é muito mais complexo do que simplesmente ter acesso à informação.
“Estamos efetivamente falando sobre acesso, mas também estamos falando sobre entender essas informações, avaliar essas informações, por exemplo, se elas vêm de fontes confiáveis ou não, e também sobre a aplicação prática dessas informações em minha vida diária, de acordo com meu perfil de saúde e doença”, explicou ela, alertando sobre a desinformação que surge nas mídias sociais.
Nesse nível, o estudo concluiu que as pessoas com obesidade têm níveis “tendencialmente mais baixos” de alfabetização em saúde e que mais da metade dessas pessoas (54,1%) têm níveis “problemáticos” ou “inadequados”.
Melhoria
Ana Rita Pedro disse que a situação melhorou nos últimos 10 anos — em 2016, mais de 60% da população tinha níveis negativos de alfabetização em saúde, e hoje o número está em torno de 45% — mas é preciso trabalhar mais e melhor, usando também as mídias sociais para “chegar onde as pessoas estão”.
Ela insistiu que é necessário equipar as pessoas com as habilidades necessárias para distinguir entre informações validadas e confiáveis, enfatizando a necessidade de “pessoas cada vez mais competentes diferenciarem entre estratégias de marketing e evidências científicas”.
“Devemos tentar estar onde as pessoas estão, não dando muito espaço para esses espaços vazios na área de informações que são rapidamente preenchidos por outras pessoas”, alertou.
O pesquisador insiste na necessidade de academia, formuladores de políticas e órgãos governamentais unirem forças para que informações confiáveis sejam mais amplamente divulgadas nas mídias sociais, inclusive por profissionais de saúde: “Existem profissionais de saúde que são 'influenciadores' genuínos nas mídias sociais, e muito merecidamente, que ajudam na área de alfabetização e capacitação das pessoas”.
No entanto, ela reconheceu que a parte mais difícil é o componente da “alfabetização crítica”: ser capaz de olhar para o que nos rodeia e saber distinguir informações confiáveis de outras informações. “Muitas vezes eles estão confusos. E estamos cientes disso.”







