Muito se fala sobre preços, especulação e riscos de bolha, mas há algo que raramente é sublinhado: a maioria do parque habitacional português continua a pertencer aos próprios portugueses. É essa propriedade disseminada que tem permitido a muitas famílias beneficiar da valorização dos imóveis, vendendo a casa antiga para melhorar as condições de vida e garantir um futuro mais confortável para os filhos.

A verdade é que Portugal é, desde sempre, um país de proprietários e não de arrendatários. Apenas a Polónia ultrapassa a percentagem de famílias com casa própria. E isso não aconteceu por acaso. Durante décadas, o arrendamento foi penalizado por políticas erradas: impostos desajustados, rendas congeladas, falta de segurança jurídica para os senhorios e um processo de licenciamento lento e burocrático que travou a oferta de novas habitações. O resultado foi inevitável: escassez estrutural de imóveis e um aumento contínuo dos preços.

O Instituto Nacional de Estatística confirma o que todos sentimos no terreno. No segundo trimestre deste ano, o preço mediano das casas ultrapassou os 2000 euros por metro quadrado, com uma subida anual de 19%, a mais elevada desde o início da série estatística. A Comissão Europeia calcula que o mercado português está sobrevalorizado em cerca de 35%, o maior aumento registado em 2024 entre todos os países da União Europeia.

Mas será isto sinal de uma bolha imobiliária prestes a rebentar? Nem todos concordam. O Banco de Portugal, assim como vários especialistas do setor, sublinha que o fenómeno resulta sobretudo de falta de oferta e não de especulação. Entre 2014 e 2024, os preços nominais das casas cresceram mais de 200%, mas o número de imóveis disponíveis não acompanhou essa evolução.

O problema central é o acesso à habitação. As famílias de rendimento médio veem-se cada vez mais afastadas do mercado, com o peso das prestações da casa a ultrapassar, em alguns casos, 40% do rendimento mensal. Ainda assim, os dados revelam que os incumprimentos nos créditos à habitação diminuíram para níveis historicamente baixos, com apenas 0,2% de empréstimos vencidos em 2025.

O verdadeiro risco não é de colapso, mas de exclusão. Um país que não garante habitação acessível para os seus jovens e trabalhadores qualificados compromete o seu futuro. E aqui, a responsabilidade é coletiva: passa pelo Estado, pelas autarquias, pelos bancos e também por quem investe e constrói.

As causas estão bem identificadas. Falta planeamento urbano, faltam incentivos à reabilitação, e falta uma política fiscal coerente. O IVA sobre a construção continua a ser um entrave, e a indústria ainda não abraçou plenamente a modernização e a industrialização de processos, incluindo a construção modular e sustentável. Por outro lado, muitos municípios permanecem presos a regulamentos desatualizados e a práticas de licenciamento que demoram anos a concluir.

Portugal precisa de uma visão integrada e de longo prazo. A Comissão Europeia recomenda políticas que aumentem a oferta, promovam a habitação social e reformem o uso do solo. Hoje, apenas 1,1% do parque habitacional português é público, metade do valor registado em 2010. Sem um aumento significativo deste número, o desequilíbrio entre procura e oferta continuará a agravar-se.

O novo governador do Banco de Portugal, Álvaro Santos Pereira, recordou recentemente que “é preciso fazer mais”. E tem razão. É necessário construir mais, com inteligência e rapidez, e libertar o setor das amarras que o tornam lento e dispendioso. O papel do poder local é fundamental nesta equação. As autarquias têm de ser parte ativa da solução e não do problema.

Portugal não enfrenta uma bolha, mas uma crise de acessibilidade e de visão. Enquanto país, temos de escolher entre continuar a tratar a habitação como um tema de emergência momentânea ou assumi-la como uma prioridade nacional. Temos recursos, talento e experiência no setor. Falta apenas a coragem de agir de forma coordenada e moderna.

Porque a casa é mais do que um ativo económico. É o centro da vida, o espaço onde se constrói o futuro. E um país que não garante casas para os seus cidadãos corre o risco de perder o próprio chão onde assenta o seu desenvolvimento.