A Planície Abissal Horseshoe, uma formação geológica no Oceano Atlântico não muito longe da montanha subaquática Gorringe Bank, na fronteira entre as placas tectônicas euro-asiática e africana, é a origem geográfica do terremoto de quase 8 graus na escala Richter que sacudiu Lisboa e outras regiões do país em 1969.

O fato de ser uma formação geológica plana, sem grandes falhas sísmicas conhecidas, alimentou “um quebra-cabeça” na comunidade científica sobre como uma região com essas características poderia ter causado terremotos de tal magnitude. No entanto, um estudo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, publicado hoje na revista Nature Geosciences, oferece uma nova explicação possível

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Nessa área, “nenhuma falha óbvia” havia sido encontrada para explicar um terremoto da magnitude do terremoto de 1969, disse João Duarte, um dos co-autores do estudo, geólogo, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e pesquisador do Instituto Dom Luiz.

Soma-se a esse quebra-cabeça como motivação para a pesquisa o fato de nunca ter sido encontrada “uma falha com dimensões suficientes para gerar um terremoto como o de 1755", que se acredita ter tido uma intensidade próxima a 9 na escala Richter.

De acordo com João Duarte, o que agora foi revelado e que pode explicar a origem dos dois terremotos é que “uma parte da placa tectônica está se separando”, em um processo chamado delaminação.

Essa delaminação implica que a placa está sofrendo uma fratura horizontal, como se a rocha estivesse sendo separada por um lençol, abrindo uma fissura que faz com que a parte inferior afunde, já tendo atingido uma profundidade de 200 quilômetros em direção ao manto terrestre, quando a profundidade normal é de cerca de 100 quilômetros.

A parte superior da placa permanece na posição horizontal inalterada, impossibilitando a deteção de quaisquer alterações geológicas naquele local através da observação do fundo do mar, explicou o investigador à Lusa.

Esse processo de separação horizontal de placas, que vem ocorrendo lentamente há cinco a dez milhões de anos, foi identificado por meio de uma espécie de “ultrassom da Terra”, explicou o professor, referindo-se ao uso da tomografia sísmica e do som capturado — o som dos próprios terremotos — para entender o que está acontecendo sob o fundo do mar.

“Conduzimos um estudo que colocou sismômetros no fundo do mar por oito meses, registrando pequenos terremotos. Percebemos que naquela área havia um 'cluster', um conjunto de pequenos terremotos em grande profundidade, com cerca de 30 a 40 quilômetros de profundidade, o que é um tanto anormal. Portanto, há uma combinação de várias observações aqui que indicam que está ocorrendo um processo que está gerando sismicidade”, explicou o

pesquisador.

“Sabemos que a placa africana também está se movendo muito lentamente, convergindo com a placa euro-asiática. É como se imaginássemos que tínhamos dois livros e um começasse a deslizar para o outro. As placas estão convergindo e, na realidade, a área onde a placa começa a se separar se comporta um pouco como uma folha, porque começa a deslizar para dentro da outra placa. Sempre há contato, mas é um contato mais horizontal. Em outras palavras, não sobrou nenhum buraco, não sobrou espaço. Esse espaço é então ocupado por outra rocha”, explicou João Duarte.

Investigações futuras

João Duarte espera que este estudo leve a futuras investigações mais detalhadas nessa área. Com o que já sabemos, ele diz que é inevitável que esse processo de delaminação seja levado em conta “na caracterização do risco e risco sísmico” no país, já considerado uma área de alto risco devido à confluência

de duas placas tectônicas nessa região.

O pesquisador vê uma oportunidade na instalação de uma nova geração de cabos submarinos — cabos de comunicação conectando os dois lados do Atlântico, passando pelos arquipélagos dos Açores e da Madeira e também pela Planície Abissal Horseshoe.

“Eles terão sensores sísmicos, então os cabos passarão por essa área, possibilitando monitorar e caracterizar melhor essa sismicidade. E provavelmente também teremos mais dados, mais registros”, disse ele.

A visibilidade dos terremotos continua sendo uma quimera, mas João Duarte acredita que a inteligência artificial pode fornecer um avanço, mesmo que um modelo de aprendizado baseado em eventos e dados anteriores apresente desafios nesse caso, porque grandes terremotos são fenômenos raros.

A chave pode estar em um estudo mais sistemático de terremotos menores, que ocorrem todos os dias, inclusive em Portugal, “com alguma esperança” de entender o processo de sismicidade e “fazer algumas inferências e usar estatísticas para entender terremotos maiores”.