"Com base nos dados mais recentes disponíveis, a Comissão estima que a sobrevalorização média é mais significativa em Portugal", lê-se num novo relatório.

De acordo com os cálculos da Comissão Europeia, "estima-se que os preços estejam sobrevalorizados em cerca de 35% em Portugal, tornando-o o único país onde se estima que a sobrevalorização tenha aumentado significativamente até 2024", em contraste com a tendência de abrandamento observada na maioria dos países europeus, escrevem Guillaume Cousin, Christine Frayne, Vítor Martins Dias e Bořek Vašíček, autores do estudo "Housing in the European Union: Market Developments, Underlying Drivers, and Policies".

A análise dos investigadores para a Comissão Europeia confirma o que muitas famílias portuguesas já sentem no seu quotidiano: a habitação tornou-se dramaticamente menos acessível. Entre 2014 e 2024, Portugal registou um crescimento nominal dos preços da habitação superior a 200%, o que o coloca entre os países com aumentos mais acentuados, a par da Hungria, Lituânia, República Checa, Estónia, Bulgária e Polónia.

Ainda mais revelador é o facto de, ajustando à inflação, entre 2014 e 2024, os preços reais da habitação terem crescido mais de 50%, um valor muito superior à média europeia de 25%.

De acordo com um relatório do ECO, a pressão sobre os preços da habitação em Portugal tem sido, desde o início, uma oferta de habitação desfasada da procura, com os autores do relatório a sublinharem que "a oferta limitada tornou-se uma caraterística estrutural dos mercados imobiliários em muitos países, resultando em parte de regulamentos que abrangem uma série de factores". Portugal exemplifica de forma dramática esta realidade, com o documento a destacar que "a construção nova tem vindo a diminuir, atingindo mínimos históricos".

Baixa produtividade

Esta situação resulta de múltiplos constrangimentos estruturais, dizem os investigadores. "A regulamentação mais rigorosa da construção e o declínio generalizado da produtividade do sector da construção" são apontados como as principais razões. O relatório especifica que "a predominância de pequenas empresas no sector da construção torna difícil ultrapassar o desafio da produtividade", numa indústria que regista o pior desempenho em termos de produtividade em toda a economia europeia.

O estudo sublinha ainda que Portugal enfrenta tempos de processamento de licenças particularmente longos, que podem atingir 31 semanas, um dos mais longos da União Europeia. Este processo burocrático complexo, que envolve múltiplos actores públicos e privados, representa uma fonte significativa de ineficiência que limita drasticamente a resposta do lado da oferta.

Simultaneamente, o relatório identifica que as restrições de zonagem e de utilização dos solos constituem restrições fundamentais à disponibilidade de terrenos para a construção de habitações. Estas regulamentações, embora sirvam objectivos ambientais importantes, determinam as utilizações possíveis dos terrenos disponíveis e, quando excessivamente restritivas, limitam severamente a expansão da oferta de habitação.

Impacto no turismo

Os investidores referem também que, embora o investimento residencial tenha regressado aos níveis anteriores a 2008, tal não se traduziu num aumento substancial da construção de novas habitações. Em vez disso, os recursos foram direcionados para renovações, incluindo melhorias na eficiência energética, numa altura em que o sector enfrenta uma escassez generalizada de mão de obra e uma falta de competências.

Com base nesta realidade, Guillaume Cousin, Christine Frayne, Vítor Martins Dias e Bořek Vašíček destacam que "Portugal é o país da União Europeia onde o turismo teve o impacto mais forte nos preços da habitação." A análise especifica que "a expansão das plataformas de partilha de casas perturbou o mercado imobiliário tradicional, esbatendo as linhas entre o arrendamento de curto prazo e o de longo prazo".

Esta dinâmica "contribuiu para uma contração da oferta no mercado de arrendamento de longa duração, uma vez que os fornecedores tradicionais de habitação de longa duração reafectam as suas propriedades ao mercado de curta duração para obterem lucros mais elevados", afirma o relatório.

Oferta e procura

Os dados apresentados indicam também que a elasticidade da oferta de habitação em Portugal é das mais baixas da Europa.

Isto significa que há pouca reatividade do mercado. Na prática, quando os preços da habitação sobem, não se verifica automaticamente a construção de um grande número de novas habitações para equilibrar o mercado - a oferta reage muito pouco às variações de preços.

Isto faz com que os preços continuem a subir porque o número de casas disponíveis não consegue acompanhar a procura crescente. Esta "dinâmica exacerba a escassez e amplifica os aumentos de preços, em especial nas regiões com oferta limitada", referem os investigadores.

Os dados do relatório da Comissão Europeia indicam ainda que Portugal está entre os países onde o rácio entre o preço da habitação e o rendimento das famílias está 20% acima dos níveis de há uma década. Esta deterioração da acessibilidade da habitação coloca Portugal ao lado da Holanda, Hungria, Luxemburgo, Irlanda, República Checa e Áustria como territórios onde a compra de casa se tornou proporcionalmente mais difícil na última década.

Para as famílias que necessitam de recorrer ao crédito hipotecário, a situação é ainda mais gravosa porque, ao contrário do que aconteceu em países como a Bulgária, Roménia, Croácia, República Checa e Hungria, onde o aumento dos rendimentos levou a um aumento da capacidade de financiamento das famílias, em Portugal (bem como na Estónia, Luxemburgo, França, Eslováquia e Chipre), a capacidade de endividamento diminuiu.

Mercado de arrendamento

Esta pressão é também visível no mercado de arrendamento, com Lisboa a destacar-se entre as capitais europeias com maiores encargos financeiros para as famílias arrendarem um apartamento T2 em zonas nobres. Segundo os investigadores, as rendas dos T2 nestas zonas representam um montante equivalente a mais de 80% do rendimento dos inquilinos. Só em Budapeste, na Hungria, o encargo financeiro dos inquilinos é maior.

Mesmo em Paris, uma das cidades europeias mais caras para comprar e arrendar casa, apesar de as rendas serem cerca de 20% superiores às de Lisboa, o esforço financeiro dos franceses para arrendar um T2 numa zona nobre de Paris é muito inferior ao dos portugueses em Lisboa, onde as rendas representam cerca de 60% do seu rendimento.

Para Portugal, os dados apresentados por este estudo sancionado pela Comissão Europeia confirmam uma realidade que transcende os ciclos políticos: o país enfrenta uma das mais graves crises de acessibilidade à habitação na Europa, exigindo uma resposta coordenada e estrutural que vai muito para além das medidas tradicionalmente implementadas.