Nesta nova coluna, a escritora de viagens, gastronomia e cultura Karina Janø percorre Portugal em busca do melhor da gastronomia, das dormidas e das experiências - explorando as melhores formas de estes três elementos se interligarem com elementos-chave de Portugal e conhecendo as pessoas que estão por detrás deles!
Forças da natureza
Hoje viajamos para os Açores - o selvagem e belo arquipélago no meio do Atlântico, repleto de história e rico em produtos locais e pessoas acolhedoras. As ilhas têm vindo a ganhar cada vez mais popularidade e, em São Miguel, conhecemos uma mulher que tem a hospitalidade no sangue: Joana Damião, a hoteleira galardoada que está por detrás de um dos hotéis mais inspiradores da ilha, a Senhora da Rosa.
Durante grande parte do século XX, nomeadamente durante a ditadura do Estado Novo (1933-1974), Portugal foi profundamente patriarcal. Esperava-se que as mulheres ficassem em casa e precisavam da autorização do marido para trabalhar. Embora subsistam vestígios desta cultura, o Portugal moderno registou enormes mudanças sociais, culturais e jurídicas. E é interessante olhar para isto numa perspetiva de hospitalidade. Desde chefes de cozinha como Marlene Vieira a enólogos como Susana Esteban, mixologistas como Flavi Andrade, sommeliers como Joana Reis e Elisabete Ferreira - a primeira mulher a ser nomeada Melhor Padeira do Mundo - Portugal está repleto de mulheres a destacarem-se e a mudarem a face da gastronomia e da hotelaria neste momento, aliviando o domínio masculino do negócio. E faz sentido: quem é que não acha que a comida da mãe é a melhor? Quem é que tradicionalmente limpa, decora e faz com que os convidados se sintam bem-vindos em sua casa? No caso dos produtores de vinho, as mulheres têm, de facto, um olfato mais apurado, o que lhes dá uma vantagem, e nem sequer me faça começar a falar da atenção aos detalhes...
Um ótimo exemplo de uma mulher que já abriu algumas portas no mundo da hotelaria é Joana Damião. Nomeada Melhor Diretora de Hotel em Portugal no ano passado, dirige o Hotel Senhora da Rosa, uma quinta restaurada do século XVIII, nos arredores de Ponta Delgada. A propriedade mistura tradição e natureza com luxo sustentável: quartos acolhedores, espaços públicos elegantes, programas de bem-estar inspirados em plantas açorianas e uma atmosfera calorosa e acolhedora. Os valores suaves e femininos são palpáveis e, à chegada, sinto-me imediatamente bem-vinda.
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Uma paixão para toda a vida
A hospitalidade corre profundamente nas veias de Damião. Em criança, ajudava no hotel dos pais, situado nesta mesma propriedade, em vez de ir para a praia com os amigos. Começou na receção - "o coração do hotel", diz ela - e construiu uma carreira brilhante em alguns dos melhores hotéis da Península Ibérica, incluindo o Sheraton Lisboa e o Ritz-Carlton Sintra. Mas em 2015, grávida do seu filho, decidiu regressar a casa. "Queria criar o meu filho aqui. Em Lisboa, era impossível conciliar o trabalho e a maternidade."
O hotel original dos seus pais tinha falido em 2010, em plena crise financeira, e as tentativas de atrair investidores tinham falhado. Mas o turismo estava a começar a crescer nos Açores e Damião viu uma oportunidade. Depois de gerir outro projeto e arrendar um pequeno apartamento, uma conversa casual com um funcionário público levou-a a pensar em comprar de novo a propriedade da família. Com fundos europeus, empréstimos bancários e três anos de papelada, finalmente conseguiu - comprando-a em 2019.
Após uma renovação de 6 milhões de euros, atrasada pela pandemia, a Senhora da Rosa reabriu em 2021. Desde então, o negócio tem crescido de forma constante, e Damião acrescentou uma segunda propriedade boutique do outro lado da rua. Hoje, lidera a empresa como proprietária maioritária, juntamente com três sócios e um conselho de administração de quatro pessoas - todas mulheres, por coincidência. "Gosto de equipas mistas", diz ela. "Mas simplesmente não havia candidatos do sexo masculino."
Quebrar barreiras
Ser mulher numa indústria tradicionalmente dominada por homens continua a ser um desafio. "Não é fácil", admite Damião. "Quando se é o chefe, alguns fornecedores ou empregados não gostam. O mesmo aconteceu quando apresentei o projeto aos bancos. É um problema cultural".
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Apesar de um currículo impressionante - incluindo ter sido a mais jovem diretora de vendas e marketing de uma das principais marcas de hotéis do mundo e ter sido reconhecida como a melhor diretora de vendas e marketing da Europa, Médio Oriente e África em 2012 - lançar o seu próprio negócio significou começar do zero. "As pessoas pensavam que eu era demasiado jovem, demasiado inexperiente. É preciso provar o nosso valor, especialmente enquanto mulher. Mas agora, passados oito anos, sinto que ganhei o reconhecimento da comunidade local e da indústria em geral."
A sua fórmula para o sucesso? "Paixão. Adoro o que faço". Também atribui o mérito ao trabalho árduo e à atenção aos pormenores: "Estou a ensinar a minha equipa a reparar em tudo: o cheiro, a música, a temperatura. Não posso fazer tudo sozinha".
Enraizado na história da família
Embora completamente modernizado, o hotel continua mergulhado na herança familiar. O restaurante ocupa a parte mais antiga da propriedade - outrora uma casa de carruagens da década de 1870 - enquanto a capela da família data de 1897. As prateleiras estão repletas de relíquias de família: latas de chá centenárias, cerâmicas da sua avó e outros tesouros. Quando lhe pergunto onde é que se pode deitar a mão a cerâmicas como estas, ela imediatamente me arranja uma paragem na antiga fábrica no dia seguinte, e eu penso que este é o meu tipo de mulher.
"As casas dos meus avós e dos meus pais são aqui perto, e a minha é ali. Atravesso o jardim para ir trabalhar. Mantivemos o nome em homenagem a eles - os amigos diziam sempre: 'Vamos à Senhora da Rosa'", diz ela sobre o local.
As novas caraterísticas incluem uma piscina de mergulho quente dentro de uma estufa de ananases histórica e protegida e duas cabanas de madeira privadas no jardim. O empregado traz-nos mais vinho açoriano e lapas - o marisco que não pode faltar quando se visita estas ilhas - seguido de ceviche de amberjack e camarões. E Damião está em cima do acontecimento. "A hospitalidade está-nos no sangue e sempre fomos muito anfitriões", diz. "Queremos que os hóspedes se sintam como se estivessem em nossa casa. A comida faz parte da nossa herança e gostamos de trazer essas memórias de volta. A receita do folhado de bacalhau é da minha avó e a minha tia está a ensinar a minha equipa a cozinhar."
Um sentido de lugar
Para Damião, a preservação da identidade da ilha é vital. "Os grandes hotéis não pertencem aqui. Destruiriam o carácter do lugar e acho que o turismo precisa de ser regulamentado." A sustentabilidade é fundamental para o seu negócio: a água da chuva rega os jardins, os painéis solares fornecem energia e os produtos de banho são feitos localmente a partir de flores e frutas da época. "Também organizamos eventos como mercados de Natal para nos relacionarmos com a comunidade. A sustentabilidade não é apenas ambiental - é também económica e social".
Ela quer que os hóspedes vejam o hotel como uma porta de entrada para a ilha e como parte integrante da mesma. "O nosso conceito é tradição e natureza. Estamos numa quinta, e São Miguel é a ilha verde e encorajamos os nossos hóspedes a explorar e a ligarem-se à cultura local."
No dia seguinte, Damião envia-me para conhecer a ilha: Subo as encostas vulcânicas num buggy para ver as lagoas das Sete Cidades, faço uma visita a uma plantação de chá, procuro cerâmica na histórica fábrica Cerâmica Vieira e mergulho nas águas termais de 42 graus da Dona Beija. Vejo onde os habitantes locais cozinham as refeições no solo vulcânico quente e, quando regresso à Senhora da Rosa, é claro que este é um lugar que vale a pena ficar.
Até já!







