Poucas nações encarnam este sentimento de forma tão completa como Portugal. Desde a mais humilde taberna de aldeia até aos restaurantes com estrelas Michelin de Lisboa e Porto, a cozinha portuguesa fala de marinharia, orgulho regional e devoção a ingredientes simples.
O mar, o grande fornecedor
Quem conhece Portugal sabe que a alma gastronómica do país começa com o mar. Esta nação estreita, estendida ao longo do Atlântico, tem dependido do oceano e tem sido moldada por ele há quase um milénio.
A história do bacalhau resume o espírito explorador de Portugal. A partir do século XVI, intrépidos pescadores portugueses aventuraram-se até à Terra Nova para trazer o bacalhau, conservando-o em sal para a longa viagem de regresso a casa. Séculos mais tarde, o prato continua a ser um tesouro nacional. O bacalhau português é mais do que um simples alimento, representa o conforto da continuidade.
Naturalmente, o mar oferece muito mais do que apenas bacalhau. As sardinhas, grelhadas na perfeição durante os Santos Populares de Lisboa, em junho, simbolizam a alegria festiva do verão. As caldeiradas de polvo, o arroz de lingueirão (do Algarve) e a Caldeirada (um guisado de pescador com uma mistura de marisco e batatas) prestam homenagem à generosidade do oceano.
Terra, estações e regionalidade
Afastando-se da costa, o mapa gastronómico de Portugal muda de textura e de ritmo. No Norte, os sabores são profundos e saborosos. A região do Minho, conhecida pelas suas colinas verdejantes e pelo efervescente Vinho Verde, apresenta propostas mais saborosas, como os rojões (pedaços de carne de porco, incluindo bochechas e lábios, marinados e cozinhados em alho e vinho) ou as papas de sarrabulho, um guisado de inverno de carne de porco frequentemente enriquecido com sangue de porco e engrossado com farinha de milho.
No interior e no sul, o azeite substitui a manteiga e as ervas aromáticas e especiarias sussurram sugestões do passado mouro do país. O Alentejo, a vasta planície dourada a sul de Lisboa, é o coração da comida rústica de conforto:
Açorda alentejana: é um caldo de alho e coentros servido sobre pão velho e coberto com um ovo escalfado.
Migas: é uma mistura frita de pão ralado e carne de porco.
Porco preto: é a carne do porco preto ibérico. O céu é o limite para a confeção desta carne excecional. O lombo derrete-se na boca e pode ser servido com arroz ou batatas (cozidas ou fritas), acompanhado de legumes da época ou de uma salada estaladiça. É frequentemente grelhado ou estufado com amêijoas frescas no emblemático prato chamado 'Carne de Porco à Alentejana".
Cada prato conta uma história de desenvoltura, pois as pessoas aproveitam ao máximo o que a terra e o mar têm para oferecer. A comida portuguesa é muitas vezes descrita como a cozinha do homem pobre, mas esta simplificação excessiva é altamente enganadora. No País de Gales, a lagosta, o salmão e as ostras também eram considerados "comida de camponês", porque eram alimentos disponíveis gratuitamente, simplesmente para serem apanhados. Atualmente, estes ingredientes "humildes" são considerados "comida fina". Assim, penso que é bastante humilhante descrever ingredientes bons e frescos como sendo de alguma forma inferiores?
O génio está na transformação. Ao fazer magia a partir de ingredientes modestos através de uma cozedura lenta, de temperos generosos e de técnicas consagradas pelo tempo.
As especiarias coloniais trouxeram uma influência global
A identidade gastronómica de Portugal não pode ser separada da sua história imperial. Durante a Era dos Descobrimentos, os navegadores portugueses não só trouxeram riquezas incalculáveis, como também introduziram novos sabores. De Goa ao Brasil, de Moçambique a Macau, os portugueses trocaram, emprestaram e adaptaram.
As malaguetas das Américas apimentaram o frango piri-piri. A canela e o cravinho do Oriente foram parar a sobremesas como o arroz doce. Depois, o açúcar adoçou a dieta nacional para sempre. O pastel de nata, que nasceu num mosteiro de Lisboa, deve a sua existência à abundância de açúcar e às gemas de ovos que sobraram da utilização das claras para amassar os hábitos dos monges e filtrar o vinho.
Este intercâmbio global criou uma cozinha que tem tanto de local como de cosmopolita. Há uma sensação de ligação entre continentes e entre o passado e o presente.
A mesa é um teatro
Para além dos ingredientes, a cultura alimentar portuguesa é definida pelo ritual. As refeições são eventos, muitas vezes longos e descontraídos, pontuados apenas por conversas e risos.
Comer fora não é apenas uma questão de consumo; é uma questão de comunidade. A "tasca" é a pedra angular da vida social portuguesa. É onde os taxistas, os empregados de escritório e os reformados partilham o mesmo balcão, comendo petiscos (pequenos pratos semelhantes às tapas espanholas). A tasca é familiar e acessível; é onde os estranhos se tornam amigos com uma garrafa de vinho do lavrador.
A hospitalidade é sagrada. Oferece-se comida aos convidados, mesmo que estes só tenham passado por cá para conversar. Recusar segundos pode ser quase indelicado. Em Portugal, a generosidade à mesa é um código moral. É uma expressão de cordialidade e de dignidade universal.
Reinvenção
Nas últimas duas décadas, a cozinha portuguesa sofreu uma revolução silenciosa. Cozinheiros como José Avillez, Nuno Mendes e Henrique Sá Pessoa elevaram os pratos tradicionais ao patamar da alta cozinha, utilizando técnicas modernas e preservando a tão importante autenticidade. Lisboa, outrora ofuscada por capitais gastronómicas como Paris ou Barcelona, possui agora uma cena gastronómica enérgica que combina deliberadamente inovação e património.
Talvez o maior triunfo da cozinha portuguesa moderna seja a sua confiança. Já não está ansiosa por imitar os seus vizinhos, mas sim por abraçar a sua rusticidade, a sua humildade e as suas raízes profundas. Há uma beleza duradoura numa simples sardinha grelhada ou numa tigela de Caldo Verde. A sofisticação reside na contenção, em deixar os ingredientes falarem por si.
Doces recordações
Nenhuma exploração da comida portuguesa estaria completa sem os seus doces, conhecidos coletivamente como "doçaria conventual". Nascidos nas cozinhas dos conventos durante os séculos XV e XVI, estes doces ricos em ovos eram originalmente feitos por freiras que utilizavam as gemas que sobravam da vinificação e da lavandaria. Aperfeiçoaram receitas que continuam a ser tesouros nacionais, como os ovos moles de Aveiro, o toucinho do céu do Alentejo e, claro, como já referi, o omnipresente pastel de nata, cuja fama rivaliza agora com a do croissant!
Estas sobremesas são mais do que confeções; são relíquias comestíveis de um tempo em que o açúcar era um luxo e a devoção era expressa através da confeção caseira. Hoje, todos os cafés em Portugal, e muitos no estrangeiro, carregam este legado. A prova de que a tradição pode perdurar através da gastronomia.
Identidade através do sabor
A cultura gastronómica portuguesa vive de um paradoxo. É ao mesmo tempo humilde e requintada, local e global, antiga e inovadora. Fala de pescadores e agricultores, de exploradores e monges, de império e resistência. Acima de tudo, fala de pessoas que aprenderam a celebrar os prazeres mais simples da vida. Pessoas que se apercebem de que um pão acabado de cozer, uma garrafa de vinho numa mesa rodeada de amigos e familiares, podem ser uma das maiores dádivas da vida.
Num mundo que se move cada vez mais depressa, a cozinha portuguesa oferece uma lição de presença. Comer aqui é abrandar, saborear e conectar. Seja numa esplanada iluminada pelo sol no Algarve ou numa taberna à luz das velas no Porto, aprendemos a compreender que o verdadeiro sabor de Portugal não se encontra num único prato, mas no simples ato de partilhar a experiência.







